Atendimentos por ansiedade entre jovens aumentam 955% na rede pública do RS em cinco anos
Em relação à depressão, observa-se aumento de 155% na comparação com 2018. Na agenda da saúde, a pauta é a mais importante principalmente na fase de 14 a 25 anos, em que os transtornos mentais são a principal carga de doenças
Há tempos, o ritmo acelerado da vida contemporânea deixou de ser exclusividade do mundo adulto, passando a afetar a sociedade cada vez mais cedo. Estresse e ansiedade são alguns dos termos já integrados ao vocabulário cotidiano de adolescentes e jovens adultos. O aumento da busca por atendimentos em saúde mental por esse público no RS, porém, preocupa especialistas.
Dados do Ministério da Saúde mostram que, em relação à ansiedade e depressão, houve aumento de atendimentos ambulatoriais em hospitais públicos do RS desde 2018 de pessoas dos 13 aos 29 anos. Foram 1.333 atendimentos relacionados à ansiedade em 2018, número que saltou para 14.058 em 2023, representando um aumento de 955%.
Em relação à depressão, observa-se um aumento de 155% em relação a 2018, com 3.033 atendimentos em 2023 no RS. Houve variação nos atendimentos relacionados a estresse nos últimos cinco anos: de 317 em 2018 para 330 em 2023, com o pico em 2019, com 414. O ministério não forneceu dados sobre o panorama nacional.
Na agenda da saúde, a saúde mental é a pauta mais importante principalmente na fase de 14 a 25 anos, em que os transtornos mentais são a principal carga de doenças, salienta Luis Augusto Paim Rohde, psiquiatra e chefe do Serviço de Psiquiatria da Infância e Adolescência do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). De maneira geral, percebe-se um aumento da prevalência de transtornos mentais na população mais jovem, ligados principalmente a estresse, depressão e ansiedade, afirma Lucas Spanemberg, psiquiatra do Hospital São Lucas da PUCRS.
— O que a gente sente é que há um aumento da procura de atendimentos por situações de aumento de ansiedade, de depressão, de estresse pós-traumático. E, muitas vezes, associados a essas três condições, aumento de uso de álcool e substâncias — observa Rohde, acrescentando que ainda não há pesquisas científicas nesse sentido.
Os jovens gaúchos foram muito afetados por eventos como a pandemia e a enchente, o que contribuiu para uma piora da saúde mental, observada nos ambulatórios e nos consultórios, destaca a psiquiatra e diretora de inovação e tecnologia da Associação de Psiquiatria do Rio Grande do Sul (APRS), Mariana Paim Santos. A crise sanitária também aumentou a procura por atendimentos. Soma-se a esse cenário, ainda, a nova questão da ansiedade climática.
Compreendendo o cenário
Para o psiquiatra do HCPA, o cenário atual é resultado de interação entre questões genéticas (que podem predispor os indivíduos a maior vulnerabilidade) e o aumento de pressões ambientais e de demandas, o que leva à maior presença dos transtornos. Durante a pandemia, as questões estavam relacionadas principalmente ao isolamento social; após, a pressões para a retomada de conteúdos escolares, dinâmicas familiares e perda de empregos.
A diretora da APRS destaca, ainda, a influência de traços de temperamento e personalidade. Além disso, acrescenta que se trata de uma geração ansiosa e com menos foco – um dos motivos é a tecnologia:
O uso de telas, redes sociais, isso aumentou muito a ansiedade, fazendo também com que mais gente procurasse atendimento especializado.
MARIANA PAIM SANTOS
Diretora de inovação e tecnologia da APRS
As questões contextuais e geracionais incluem mudanças nas relações, que estão mais instáveis e efêmeras, no mercado de trabalho e preocupações ambientais, conforme Spanemberg:
— O jovem de hoje enfrenta desafios bem diferentes do jovem de 20 ou 30 anos atrás, e isso precisa ser trabalhado.
A saúde mental tem sido foco de preocupação crescente nos últimos anos – e a geração Z é a que mais se preocupa com o tema. Entre os motivos está o maior sofrimento, segundo o psiquiatra. Mas o impacto do estigma e preconceito associados aos transtornos mentais é menor hoje do que em outras épocas, lembra Rohde.
Preocupação
As taxas de transtornos mentais aumentam conforme a idade – cerca de metade dos transtornos surgem antes dos 14 anos, e dois terços, antes dos 24, afirma a diretora da APRS. Os mais prevalentes na população jovem são ansiedade e, em seguida, depressão, conforme os especialistas.
— Os transtornos mentais psiquiátricos na adolescência podem trazer prejuízos no desenvolvimento do indivíduo, com sérias consequências ao longo do funcionamento cognitivo, social, mental e em sua saúde física — afirma Mariana.
O cenário atual é preocupante pois revela dificuldades em questões básicas de educação e manejo em saúde mental, pontua Spanemberg. Além disso, o que mais preocupa na população jovem, neste momento, é o incremento dos quadros de depressão com risco de suicídio e com conduta autolesiva, salienta Rohde.
Os profissionais afirmam que têm observado aumento da procura de internação psiquiátrica e de quadros psiquiátricos graves, que se intensificou após a pandemia. No Hospital São Lucas, houve aumento da demanda, com ampliação dos leitos de 12 para 14, segundo Spanemberg.
Internações
Dados de internação por transtornos mentais e comportamentais em geral (que incluem demência, uso de álcool e substâncias, esquizofrenia, entre outros) indicam que as hospitalizações no RS em 2023, dos 10 aos 29 anos, ultrapassaram valores pré-pandemia (12.084 em 2018), mas não alcançaram o pico (13.458 em 2019), ao passo que, no Brasil, o pico foi em 2023 (78.114).
A variabilidade é baixa entre os anos, com leves quedas e ascensões, aponta Marilise Fraga, diretora do Departamento de Atenção Primária e Políticas de Saúde da Secretaria Estadual da Saúde (SES).
— A gente vê que quando faz a prevenção, lá na atenção primária, com grupos, até mesmo com o jovem indo mais na unidade básica de saúde, pode ser uma das causas que não tenha visto um aumento das internações (em comparação a 2019). E é isso que a gente espera dentro do serviço do SUS, que a gente tenha mais ações de promoção e de prevenção, e menos ações, depois, remediativas e paliativas, que são os casos de internação — afirma.
Por outro lado, Mariana, da APRS, e Spanemberg, do HSL, observam que, devido à reforma psiquiátrica, há uma política de redução de leitos em hospitais psiquiátricos e aumento de Centros de Atenção Psicossocial (Caps). Contudo, afirmam que a reposição de leitos mais qualificados em hospitais gerais não está ocorrendo – e apenas os Caps não dão conta de casos graves.
Dessa forma, os dados são limitados à disponibilidade de vagas e refletem mais a abertura e fechamento do que a necessidade de internação, conforme os especialistas. Houve redução da oferta de leitos e, assim, do número de internações, gerando déficit.
Em nota, a SES afirma que, desde a instituição da Lei Estadual nº 9716/1992 e da Lei Federal nº 10216/2001, que dispõem sobre a reforma psiquiátrica, o Estado trabalha na construção e fortalecimento de uma rede substitutiva de serviços que compõem a Rede de Atenção Psicossocial (Raps).
“Neste período, tanto a SES/RS quanto o Ministério da Saúde habilitaram cerca de 1,4 mil leitos de saúde mental em hospitais gerais e mantêm cerca de 670 leitos em hospitais psiquiátricos. Este quantitativo representa um leito para 5.526 habitantes, quando o parâmetro atual preconizado pelo MS é de um leito para 23 mil habitantes (quatro vezes acima), o que dificulta a habilitação de novos leitos. Apesar disso, o Estado vem pleiteando o incremento de leitos junto ao ente federal”.
O Estado tem tido preocupação constante com a saúde mental dos jovens, apostando em estratégias de fortalecimento do cuidado na atenção primária, sustenta Marilise. O tipo de ação ocorre conforme os indicadores e planejamento de cada região.
As estratégias incluem:
- Atividades relacionadas à promoção de saúde mental nas escolas, no Programa de Saúde na Escola e no Programa Geração Consciente
- Programa Estadual de Incentivos para Atenção Primária à Saúde (Piaps), com envio de recursos para municípios que realizam mais atividades de saúde mental
- Linha de financiamento para oficinas terapêuticas, com 300
- Em municípios pequenos sem equipe especializada, há o financiamento dos Núcleos de Apoio à Atenção Básica (NAAB), com equipes multidisciplinares
- Solicitação de habilitação de Caps Infantojuvenil pelos municípios
- Comitê Estadual de Promoção da Vida e Prevenção do Suicídio, que trabalha com esta faixa etária
O Ministério da Saúde informou, em nota, que o SUS oferece cuidado integral a pessoas com transtornos mentais. Por meio da Atenção Primária à Saúde e dos Caps, equipes multiprofissionais oferecem assistência e cuidado terapêutico a jovens, com atividades e práticas integrativas.
Em 2023, foi criado o Departamento de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas e iniciada a construção de 200 Caps, dos quais 150 são financiados pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), com investimento previsto de R$ 409 milhões. Ainda em 2023, o governo federal investiu R$ 16,6 bilhões na Raps.
Atualmente, segundo o governo, 314 Caps Infanto-juvenis estão em operação no país. A pasta ainda não se manifestou sobre os leitos psiquiátricos.
Sinais de alerta
Os sinais de alerta, conforme os especialistas, são qualquer sofrimento mais intenso a ponto de causar modificação no padrão habitual: prejuízo no estudo, nas relações ou no trabalho; isolamento; aumento de consumo de substâncias; menos prazer nas atividades cotidianas.
No caso dos adolescentes, é preciso que, em casa e na escola, seja realizada a escuta desses jovens, frisa o psicólogo e conselheiro vice-presidente do Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul (CRPRS), Ademiel de Sant’anna Jr. Além disso, deve-se entender que o tratamento não ocorrerá somente com o adolescente e deve incluir pais e outras pessoas.
— Escutem seus filhos, percebam o tempo que eles estão na tela e fora da tela, qual é o tempo de qualidade que tem sido construído? Qual o tempo de interação? Será que existem momentos em que a tela não está presente?.
Tratamentos
A busca por uma avaliação profissional com um psicólogo ou psiquiatra é um passo importante para entender a demanda. O tratamento dependerá do quadro. Exercício físico, com um componente aeróbico, tem se mostrado importante, aponta Rohde.
Outro ponto são as intervenções psicoterápicas e, em algumas situações, é necessário o uso de medicação. Psicoeducação também é apontada para diminuir o estigma.
Onde buscar ajuda
É possível buscar atendimento em saúde mental em Unidades Básicas de Saúde, em ambulatórios de saúde mental, nos Centro de Atenção Psicossocial (Caps), na rede de pronto atendimento e em hospitais gerais.
Quanto aos planos de saúde, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) determina cobertura obrigatória para consultas médicas em número ilimitado, internação hospitalar, atendimento em hospital-dia psiquiátrico, consultas e sessões com psicólogo e com terapeuta ocupacional.
A Resolução Normativa nº 465/2021 determina que a atenção prestada aos portadores de transtornos mentais deverá priorizar o atendimento ambulatorial e em consultórios, utilizando a internação psiquiátrica apenas como último recurso terapêutico e indicação do médico.
Fonte: GZH.