Clima adverso é o maior desafio para a produção vinícola na região

Bento Gonçalves, se prepara para a safra de uva 2024/25. Contudo, preocupações crescem entre os produtores de vinho devido às adversidades climáticas recentes

A safra da uva em Bento Gonçalves, conhecida como a Capital Nacional do Vinho, está programada para ocorrer entre meados de dezembro de 2023 e abril de 2024. No entanto, os produtores de vinho da região estão apreensivos devido à expectativa de uma safra reduzida e à qualidade das uvas, afetadas pelas condições climáticas adversas que têm assolado o Rio Grande do Sul nos últimos meses.

Impactos climáticos

Desde setembro de 2023, o estado tem sido castigado por fortes chuvas, tempestades e enchentes, resultantes do fenômeno El Niño. Essas condições climáticas têm causado inundações em várias cidades e danos significativos ao agronegócio gaúcho, estimados em mais de R$ 1 bilhão, conforme relatório da Confederação Nacional dos Municípios (CNM). A climatologia indica que El Niño se manteve até abril de 2024, segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM). Agora, entramos no fenômeno da La Niña.

Desafios da viticultura na região

Maurício Bonafé, engenheiro agrônomo e gerente agrícola da Cooperativa Aurora, explicou os desafios enfrentados pela viticultura na Serra Gaúcha. Ele destacou que a região possui um clima e solo específicos que influenciam diretamente o ciclo da videira. “Na nossa região, a uva depende de um período de dormência para finalizar a formação das gemas e garantir a produção do ano seguinte. Esse estágio ocorre entre maio e agosto, quando a planta perde as folhas. Durante esse tempo, temperaturas abaixo de cinco graus não são problemáticas e até benéficas para a videira,” afirmou Bonafé.

No entanto, ele alertou que o granizo é um fator de risco significativo, podendo causar danos severos à planta, especialmente se ocorrer na época de brotação, entre setembro e março. “Granizo de alta intensidade pode quebrar ramos e gemas, prejudicando a produção. Já as geadas tardias podem comprometer seriamente a produção se ocorrerem após a brotação,” explicou.

Bonafé também abordou as implicações da La Niña na produção de uvas. Esse fenômeno climático reduz o volume de chuvas e prolonga os períodos de seca, o que pode ser benéfico para a videira em alguns aspectos. “Menos chuvas significam menos doenças fúngicas, e as uvas podem concentrar mais açúcar, resultando em vinhos de melhor qualidade. Conseguimos produzir com grau brix mais elevado, ou seja, a uva acaba concentrando mais teor de açúcar na fruta do que em anos de excesso de chuva,” disse Bonafé.

Para mitigar os efeitos negativos da seca, a Cooperativa Aurora recomenda técnicas de cobertura do solo com aveia, azevém e ervilhaca. Essas práticas ajudam a manter o solo fresco e reduzir a perda de umidade. Além disso, o uso de variedades tardias em áreas propensas a geadas tardias e o manejo adequado da poda são estratégias essenciais para proteger a produção.

Expectativas para a safra

O potencial de produção da Cooperativa Aurora é de cerca de 75 milhões de quilos de uva. No entanto, Bonafé ressalta que fatores climáticos adversos podem afetar significativamente esse volume. “Tivemos deslizamentos de solo e enchentes que afetaram algumas áreas de vinhedos e famílias na região. Então perante o clima, perante brotação, perante condições climáticas adversas, a gente pode ter mais ou menos do que esse potencial,” relatou.

Bonafé mencionou o uso de tecnologias para dissipar nuvens de granizo e a importância do seguro agrícola como medidas de proteção financeira para os produtores. “Embora o seguro agrícola não evite os danos, ele oferece uma compensação financeira em caso de perdas,” disse.

Ele concluiu destacando a importância de escolhas estratégicas desde a implantação do vinhedo, como a seleção de variedades adequadas ao clima local. “Utilizamos variedades tardias em áreas mais propensas a geadas tardias, como o Cabernet Sauvignon, para escapar desses eventos climáticos”, finaliza.

Evandro Bosa, gerente de assistência técnica da Cooperativa Garibaldi, destaca as principais medidas e expectativas para a próxima safra. Segundo Bosa, o frio intenso é benéfico para a cultura da uva durante o período de dormência. “O frio extremo será prejudicial apenas se ocorrer após a brotação da uva, momento em que as alternativas de mitigação são limitadas,” explica. No entanto, o granizo permanece uma ameaça significativa, sem soluções definitivas para sua prevenção. “Existem experimentos com sistemas que dissipam nuvens de granizo, mas ainda não temos confirmação de sua efetividade na nossa região,” completa.

O fenômeno La Niña, previsto para influenciar o clima durante a safra 2024/25, pode trazer impactos positivos. “Pelas previsões, teremos um La Niña moderado, o que é positivo para a cultura da uva. A falta de chuva beneficia a produção vitivinícola, melhorando a qualidade das uvas,” afirma Bosa. O principal desafio seria a implementação de sistemas de irrigação em áreas com solo superficial, enquanto em outras regiões, a uva se adapta bem a ambientes mais secos.

Para mitigar os efeitos do granizo, Bosa menciona a utilização de coberturas com telas e sistemas de dissipação de nuvens, ainda em fase de teste. “Teve algum pessoal que usou no ano passado, mas foram casos bem pontuais e ainda não conseguimos mensurar sua eficácia,” explica.

As expectativas para a safra 2024/25 são otimistas. “Podemos ter condições de produzir vinhos de alta qualidade, pois a falta de chuva beneficia a produção vitivinícola,” ressalta Bosa. Quanto aos preços, a qualidade elevada das uvas pode resultar em produtos mais valorizados no mercado.

Fotos: Neiton Bittecourt Perufo / Reprodução

Fonte: Jornal Semanário

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