Sequestro e internação em clínica: o que a Polícia Civil sabe sobre morador de Bento Gonçalves que estava desaparecido
Abraço coletivo e choro de alívio. Foi assim que Osmir dos Santos, 67 anos, foi recepcionado pela família no domingo (8), quando retornou para Bento Gonçalves após quase duas semanas desaparecido. Ele foi localizado pela Polícia Civil em uma clínica de reabilitação em Osório, no Litoral Norte gaúcho.
Conforme o delegado responsável pela investigação, Ederson Bilhan, a enteada de Santos é quem teria arquitetado o sequestro e a internação forçada do padrasto na clínica. A suspeita, uma mulher de 38 anos, residia com Santos e a mãe, esposa da vítima, em uma casa no Vale Aurora, interior de Bento Gonçalves.
A investigação da polícia indica que a suspeita teria contratado um grupo, conhecido como “captadores”, para sequestrar Santos na própria casa e levá-lo até Osório. A ação aconteceu na noite de 27 de agosto, quando três homens estiveram no Vale Aurora e raptaram Santos.
O trio teria imobilizado a vítima com uso de violência, amarrado e colocado Santos dentro de um veículo. A viagem para o Litoral Norte teria acontecido nessa mesma noite. Ao chegar na clínica, os homens teriam persuadido Santos a assinar um termo de internação voluntária.
— A suspeita planejou a internação com a desculpa de tratamento para dependência de álcool. Porém, cabe ressaltar que a vítima não tem problemas com álcool. Então, não tinha evidências e muito menos uma ordem judicial para a internação, nem mesmo encaminhamento médico — detalha o delegado.
À reportagem, o filho de Santos confirmou que o pai não é alcoólatra e que a família nunca debateu a possibilidade de interná-lo. Santos permaneceu na clínica de Osório por 13 dias, quando foi resgatado pela Polícia Civil no último domingo, e levado de volta para Bento Gonçalves.
Segundo a polícia, a vítima não conseguiu pedir socorro porque os profissionais da clínica teriam impedido qualquer tipo de contato, como celular e internet. Em depoimento, Santos negou ter sofrido maus-tratos ou tortura no local.
Suspeita também planejou cárcere privado
Além da internação forçada do padrasto, a suspeita também teria mantido a mãe em cárcere privado na própria casa. Segundo o delegado Bilhan, a vítima passou o dia 27 medicada pela filha.
Contudo, ela conseguiu fugir do local durante a noite. Segundo o delegado, a vítima conseguiu acessar o forro da casa, onde abriu uma passagem. Ela acabou caindo na cozinha e, depois disso, deixou a casa.
Devido aos efeitos dos medicamentos recebidos, a vítima caiu em uma ribanceira. Vizinhos viram a situação e acionaram o Corpo de Bombeiros, que realizou o resgate. Conforme a família, a mulher ainda está muito abalada psicologicamente, mas se recupera da situação.
Motivação e histórico da suspeita
Conforme o delegado Bilhan, a motivação dos crimes ainda não foi esclarecida. A polícia investiga se há ligação com dinheiro, patrimônio ou seguros. No entanto, as contas das vítimas não tiveram movimentações. A apuração também apontou indícios de conflitos familiares.
A suspeita está presa temporariamente em Bento desde 31 de agosto, quando surgiram evidências que a ligaram ao desaparecimento de Santos e ao cárcere da mãe. De acordo com a Polícia Civil, a mulher possui antecedentes criminais por um latrocínio ocorrido em Passo de Torres (SC).
Segundo o delegado, há provas que indicam a suspeita como mentora dos crimes, bem como a responsável por contratar os sequestradores e pagar antecipadamente a clínica de Osório.
Em nota, a advogada Roselaine Leal, que representa a suspeita, afirma que ela é “inocente e nada tem a ver com os fatos, que serão esclarecidos pela equipe de investigação”.
Clínica será investigada
De acordo com a Polícia Civil, a clínica que aceitou a internação de Santos é um estabelecimento com funcionamento regular. Contudo, a forma como a internação aconteceu e a permanência da vítima no local por 13 dias estão sendo investigadas.
— Vamos apurar se a internação atendeu aos preceitos legais. A vítima foi submetida a assinar um documento dizendo que seria uma internação voluntária. Mas, salvo o juízo que ele foi amarrado e levado de uma cidade para outra, não há voluntariedade — argumenta o delegado.
Segundo Bilhan, os gerentes da clínica serão alvo de um inquérito que pretende apurar se foi verificada a necessidade da permanência da vítima no local e se a família tinha conhecimento da situação.
— A problemática está não no tratamento em si, mas a forma como ocorreu essa internação e a minha principal preocupação, que é aí que vai muito além dos autos deste inquérito policial, é se esse tipo de conduta é corriqueira ou não. Se aconteceu com um indivíduo aqui de Bento, daqui a pouco pode acontecer com outras pessoas e isso é totalmente ilegal.
Contatado pela reportagem, o gerente da clínica afirmou que não irá se manifestar sobre a situação.
Fonte: Pioneiro/GZH.