Parteira: Pelas mãos de Clara, três gerações nasceram
Em Veranópolis, ao pesquisar sobre essa antiga função, muitos nomes surgiram. O mais antigo deles é o de Ana Clara Froener Schimitz, que atuou como parteira por mais de 40 anos, realizando milhares de partos que resultaram em três gerações que ela viu nascer. Para homenageá-la, uma rua do bairro Renovação leva seu nome.
Cerca de 3 mil dos partos realizados por ela estão eternizados em um livro com as folhas amareladas e com suA caligrafia impecável. Clara registrava o ano, a data, o nome da criança, seu sexo, quanto custou o parto e se pagaram ou não. Uma relíquia histórica, que está conservada atualmente na Casa da Cultura.
A história de Ana Clara é mantida viva pelas netas Bete Schmitz Farina, e Marilza Ribeiro Rescke. Ana Clara era casada com João Schimitz Sobrinho, que possuía curso de dentista prático. E ela, por sua vez, tinha curso de enfermagem, que realizou com um médico alemão em Bom Princípio.
Os dois eram naturais da zona alemã: Bom Princípio e Feliz. E segundo a neta, Bete, eles vieram para Bento Gonçalves a trabalho e, em 1918, foram chamados pelo Dr. Del Prete para virem a Veranópolis, cada um em sua área, para suprir a falta de profissionais da saúde. Na época, Ana Clara tinha 20 anos.
O dentista João atuava em um consultório, e Ana Clara foi chamada para a área de instrumentação cirúrgica e esterilização. Como casos cirúrgicos eram mais raros, ela se tornou a parteira da cidade por muitos anos devido aos seus conhecimentos e ao seu amor pelo ofício.
Eles tiveram cinco filhos, que já faleceram: Cláudio, Lourdes, Carlos Mário (pai de Bete), Bárbara Lady, Beda Rita (mãe de Marilza).
Histórias…
Muitos são os casos surpreendentes que as netas contam sobre a atuação da avó como parteira. Um deles, relatado por Bete, é o seguinte:
“Quando ela atendia o Paco, famoso malfeitor veranense, ele a buscava para levá-la até sua casa em cima de uma mula e atender a esposa. Então, minha avó precisava levar toda a roupa esterilizada (os tecidos eram fervidos em caldeirões na época). Ela saia e não sabia quando iria voltar, pois precisava esperar o momento certo do parto e depois auxiliar com os primeiros cuidados. Ela contou que certo dia quando o Paco foi buscá-la, vendou os seus olhos e disse uma frase que ela sempre repetia: ‘Dona Clara, não vou ser a primeira pessoa que vai fazer a senhora mentir; lhe conhecendo, vou colocar essa venda para que a senhora não precise mentir’. Ela ficava muitos dias na casa dele e eles mudavam muito de lugar por causa do que ele fazia.”
Marilza também conta que assim como a esposa de Paco, Ana Clara atendia muitas gestantes no interior, mais até do que no hospital. “Ela ia para o interior a cavalo, passava às vezes dois dias na casa das parturientes para esperar o nascimento da criança. Atendia as clientes com muita dedicação, preparava a mãe para receber o bebê e depois do nascimento a acompanhava nos primeiros dias. Ficava uma semana na casa da família dando banho no bebê, ensinando a amamentar e diversas outras coisas; antigamente era assim”, recorda, Marilza, que conheceu essas histórias durante as férias, quando ficava na casa dos avós junto com seus primos.
E por causa de sua experiência, quando tinha um parto muito difícil no hospital os médicos a chamavam para realizá-lo.
A neta Marilza afirma que Clara faleceu em 1970, aos 72 anos, no dia 12 de outubro. Por coincidência ou não, ela, que ajudou milhares de mães a levar seus filhos ao mundo, faleceu no Dia das Crianças.
O seu marido, João, faleceu com 69 anos por problemas cardíacos, que foram passados pelas gerações.
Mais que um livrinho
Na época da juventude de Marliza, não existiam redes sociais, internet e tecnologias semelhantes.Então, o caderninho de anotações de partos da avó tornou-se a fonte de pesquisas dela e de suas amigas.
“Comecei a namorar meu marido, João David Rescke, aqui em Veranópolis, eu morava em Caxias. Eu o conheci num Carnaval, conversamos, e daí eu sabia que a vó tinha atendido a mãe dele. Fui procurar no livrinho a data do aniversário dele, porque naquela época não pedíamos muitas coisas um para o outro, era diferente, mais restrito. Encontrei a data do seu nascimento, que foi no dia 1º de abril de 1942. No baile de Carnaval, ele me pediu a data no meu aniversário e eu disse; ‘1º de janeiro, tenho 19 anos’. E eu pedi a dele e ele disse: ‘a minha data não é tão bonita’. Eu já sabia, mas aí eu disse; ‘1º de maio?’ Só para mexer com ele, que então respondeu todo envergonhado: ‘Não, é 1º de abril’. Dia dos bobos, da mentira, etc…”, sorrindo, recorda Marilza.
Assim como ela, suas amigas também usaram o livrinho para descobrir a data do aniversário e idade de seus pretendentes. Todos os pertences de Ana Clara foram doados pela família ao Museu, e hoje se encontram na Casa da Cultura de Veranópolis.
Legado familiar
Ana Clara e João deixaram um legado, o de gostar da área humana, segundo Bete, que foi dentista como o seu avô e como o seu pai, Carlos Mário. E não parou por aí! Felipe, filho de Bete, também é dentista, e Patrícia, sua outra filha, é ginecologista, e assim como a bisavó realiza inúmeros partos em Veranópolis. “A Pati é a reencarnação da vó, adora o que faz, adora sala de cirurgia e faz muitos partos. Acho que é uma herança de família”, coloca, Bete.
Gabriela Cenci Shimitz, outra bisneta do casal, também é dentista em Veranópolis; e outro bisneto também atua nessa área, em Bento Gonçalves. “Todo mundo gosta da profissão em si, nada a ver com dinheiro. Eu sou muito feliz por ter sido dentista; inclusive, estudei escondido do meu pai, porque na minha época, além de não ter nenhuma dentista mulher regionalmente, ele queria que eu fosse professora. Passei no vestibular e realizei meu sonho. Parei de exercer a profissão devido a problemas de saúde”, conta.
E além de tudo isso, um irmão de Ana Clara, naquela época, vendo um bom mercado, fez o curso e prestou prova de dentista prático e veio trabalhar em Nova Prata. Município que hoje também possui dentistas das gerações seguintes.